domingo, 7 de novembro de 2010

Surdos enfrentam problemas com falta de interprétes de Libras

enem

Publicado em 06.11.2010, às 17h01
Do JC Online

A estudante Mirella Cavalcanti, de 17 anos, surda, enfrentou problemas para realizar as provas do Enem hoje. Na Universo, no bairro da Imbiribeira, onde ela fez as provas, havia apenas uma intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para quatro estudantes com deficiência auditiva. A família entrou em contaro com o Ministério Público Federal. Também foi prestada uma queixa na GPCA.

Para a mãe da estudante, a enfermeira Marcleide Cavalcanti, o número de intérpretes foi insuficiente. "A lei garante um intérprete para cada surdo, para orientá-lo e ajudar na interpretação das provas", disse. Segundo a mãe da estudante, a chefe do prédio, Mércia Anes, informou que o intérprete deveria apenas passar informações administrativas, como horário das provas e orientações sobre a proibição de uso de lápis.

Ainda de acordo com a enfermeira, o procurador de plantão no Ministério Público Federal informou que irá entrar com uma representação contra o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pela aplicação do Enem em todo o país.

MURAL
» Enem: qual a orientação que você recebeu do fiscal na hora de preencher a prova?

A lei federal 10.436, de 24 de abril de 2002, reconhece a Libras "como meio legal de comunicação e expressão e outros recursos de expressão a ela associados". E o decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, determina que "as instituições federais de ensino da educação básica e da educação superior devem incluir, em seus quadros, em todos os níveis, etapas e modalidades, o tradutor e intérprete de Libras para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos surdos". No primeiro parágrafo do artigo 21 do decreto determina que intérpretes de Libras devem atuar "em processos seletivos para cursos na instituição de ensino".

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Primeira aluna surda e cega a entrar no superior.




Síndrome de Usher retirou a visão a Carolina Canais, que gostava de ser escritora mas que, para já, quer apenas ter uma licenciatura.


Carolina Ferreira Canais é a primeira aluna surda e cega a ingressar na universidade. Tem 44 anos e muita vontade de continuar activa, agora que está reformada devido à perda de visão que tem sofrido nos últimos cinco anos. É surda de nascença e escolheu o curso de Língua Gestual Portuguesa da Universidade Católica de Lisboa, o único perfeitamente adaptado e pensado para quem tem deficiência auditiva, pois todas as aulas são dadas em língua gestual.

Porém, receber a Carolina exigiu um esforço redobrado por parte da universidade, tanto em recursos humanos e como em financeiros, já que foi preciso contratar dois guias-intérpretes para a acompanhar e traduzir as aulas em língua gestual táctil e converter os manuais em braille.

Foi preciso criar aulas presenciais com um tutor, porque o curso funciona maioritariamente através de vídeoconferência. De tal forma que a turma só se encontra ao sábado, de quinze em quinze dias, para oito horas de aulas que cobrem três áreas: ciências da linguagem, ciências da educação e neurociências. O objectivo é formar professores, criando uma oportunidade para os 35 000 surdos portugueses. "Porque eles não têm problemas cognitivos", explica a coordenadora do curso, Ana Mineiro. Só precisam que a comunicação lhes seja adaptada.

Durante pouco mais de três anos, será este o desafio de Carolina. Veio em busca de "um novo caminho" porque não gosta de estar "de braços cruzados". Sonha ser escritora, mas nunca tinha pensado voltar à escola, até se ver "encostada".

Trabalhava como funcionária administrativa na Indústria Aeronáutica de Portugal, mas há quatro anos a perda de visão levou-a à reforma. "Percebi que o meu pesadelo se ia concretizar." Descobriu que tinha a síndrome de Usher, de tipo I, e que iria ficarcega.

Mas não baixou os braços. Queria aprender braille, a usar a bengala, a orientar-se. Tudo o que precisasse para continuar a fazer a sua vida sozinha. E então foi para o Centro de Reabilitação Nossa Senhora dos Anjos, que a princípio não a queria receber por ser surda e não estar completamente cega. "Mas aquela era a melhor escola para cegos de Portugal, e eu batalhei porque não queria entrar noutra."

Hoje, a sua cegueira ainda não é total, apesar de estar progressivamente a piorar, e diz-se "solteira e independente". Vai, sem ajuda, ao centro de artes, ao café, às compras ou à natação. Aprendeu a cozinhar pelo olfacto e a tratar da roupa sem a ver. Vive num lar em Lisboa, dactilografa com a ajuda de um teclado de comunicação aumentativa e usa uma lupa para escrever mensagens no telemóvel.

"Distingo tudo pelo toque", conta. Os ouvintes comunicam com ela desenhando as letras na palma da sua mão, os surdos por língua gestual apoiada, também nas mãos. Mas para comunicar, utiliza a língua gestual, que é a sua língua natural desde criança.

A fala só aprendeu aos 24 anos, com a ajuda de uma terapeuta. Mas o seu rosto transparece muito mais. A expressão acrescenta significado ao gesto. Como em qualquer língua, na linguagem gestual há regionalismos e calão. Mais ainda, uma "cultura surda" assente nela.